Airacobra (BX187) aterrou em Aljezur

Airacobra a ser carregado para um camião para ser levado para Lisboa

Airacobra a ser carregado para um camião para ser levado para Lisboa
(Foto: Associação de Defesa do Património Histórico e Arqueológico de Aljezur)

Data

Local

Força

Avião

 

Origem-Destino

 

Tripulação

03-06-1943

Aljezur - Pego das Águas

USAAF

Bell Airacobra P400           BX187

 

Portreath (GB) → Port Lyautey (Marrocos)

 

Lt   Richard Savoy   USA




 

O Airacobra P-400, da 12th Air Force (USAAF), descolou do aeródromo de Portreath, no Reino Unido, integrando a escolta de uma esquadrilha de bombardeiros com destino a Port Lyautey, em Marrocos no dia 3 de junho de 1943.

Richard Savoy estava perto da costa portuguesa quando o motor começou a falhar. Perante as dificuldades procurou um local para fazer uma aterragem de emergência e ainda sobre o mar soltou o tanque suplementar de combustível sob as asas prevendo que poderia não encontrar um local com todas as condições para aterrar.

Já sobre terra realiza várias passagens a baixa altitude sobre a zona do Rogil, concelho de Aljezur, para identificar uma zona onde possa fazer a aterragem. Já em dificuldade, depara-se com um terreno que lhe pareceu suficientemente plano e com a necessária extensão para pousar a aeronave. Aterra no meio de um milheiral, com terreno arenoso e irregular, de que resulta a quebra do trem de aterragem, danos no rotor do nariz, flaps e a hélice. O impacto é violento e Savoy bate com a cabeça no painel de controlo, perdendo os sentidos por curto espaço de tempo. 

O voo do avião sobre a aldeia desperta um misto de preocupação e curiosidade. Manuel Maria Canelas e António Novais Henrique, na altura com treze e seis anos de idade, respectivamente, estavam entre os rogilenses que assistiam à evolução da aeronave e aterragem algo atribulada.

Feliciano Arsénio e a esposa, Maria José Susana, encontravam-se em trabalho agrícola no Pego das Éguas e apanham um tremendo susto quando veem o avião aterrar a poucos metros, levantando uma enorme nuvem de poeira e fazendo um ruído impressionante. 

O testemunho de ambos - já falecidos - é relembrado pela filha, Helena Glória Arsénio, que por várias vezes ouviu o pai contar a história.

Feliciano é o primeiro a chegar junto do avião e ajuda Savoy a sair da cabina. Ainda atordoado pela pancada que sofrera na cabeça, tenta comunicar com Feliciano proferindo algumas palavras em inglês que Arsénio, obviamente, não entende. Desesperado, pega num punhado de terra e, com alguns gestos consegue fazer-se entender, obtendo a informação de que tinha aterrado em Portugal.

Savoy aparenta tranquilidade. Aterrar em Portugal é mais seguro para os aviadores aliados e o regresso às respectivas unidades é mais rápido, ao contrário de uma aterragem em Espanha, que poderá originar uma detenção por tempo indeterminado. 

Detalhes da preparação do P-400 para o transporte

Preparação do P-400 para o transporte até á base da Ota em 1943
(Fotos Assoc. Def. do Patr. Histórico e Arqueológico de Aljezur)

Embora em território neutral e amigo, não ignora os procedimentos de segurança que deve realizar e por gestos e monossílabos, pede a Feliciano Arsénio que o ajude a queimar os documentos que transporta no avião: plano de voo, mapas e outros documentos que podem denunciar o objectivo da missão. A casa do português ficava a 300 metros e dispunha de um forno de cozer pão. Feliciano acompanha o tenente até ao forno, que estava aceso, para este queimar a papelada.

Desde 16 de Junho de 1942 que a destruição de aeronaves não é um procedimento prioritário de segurança, de acordo com determinação do Ministério do Ar Britânico. Esta determinação era também adoptado pelos pilotos americanos e aplicava-se para aterragens em Portugal e colónias, Irlanda, Turquia, e estados sul-americanos. Os aparelhos eram uma moeda e troca e poderiam vir a ser comprados (ou oferecidos) aos países citados. Estavam excluídos aviões e equipamentos considerados secretos ou incluídos em listagem específica.

No Rogil não existia nenhuma autoridade civil ou militar que pudesse tomar conta da ocorrência. De acordo com Helena Arsénio, o pai arreou duas mulas, que usava nos trabalhos agrícolas e, montado cada um na sua, seguiram para a Câmara Municipal de Aljezur onde é entregue ao presidente, o primeiro-tenente de Secretariado Naval, Francisco Albano de Oliveira. 

No dia 5 o comandante da unidade militar de Lagos deu ordens para trazer o aviador até cidade. Seria entregue à responsabilidade do adido militar da Legação Americana que o levou para Lisboa onde esteve a receber tratamento médico até princípios de julho, altura em foi internado em Elvas.   

Desconheço a data do seu repatriamento.

 

Um difícil transporte

O avião ficou no lugar de Pego das Éguas sob vigilância da Guarda Fiscal, até que fosse decidido o seu futuro. Logo no dia seguinte chegaram ao local elementos da Aeronáutica Militar - liderados pelo alferes-aviador Enrique Dantas Maya, com o apoio do furriel mecânico Bernardino Pereira - para coordenar as operações de desmontagem e transporte.

O relato da rocambolesca viagem que se seguiu foi feito pelo condutor do camião, Eliezer Augusto Quintanilha Mendonça, em entrevista realizada em Junho de 2003.

Os trabalhos de desmontagem do avião e a custosa colocação na caixa da camioneta ficaram concluídos na manhã do dia 11 de junho. Depois do almoço Eliezer e os dois militares seguiram em marcha lenta para Odemira, onde fizeram uma paragem para avaliar o estado da carga, porque o peso era acentuado e o comprimento do aparelho excedia o da camioneta.

Era quase noite quando chegaram a Alcácer do Sal, onde o alferes Maya decidiu parar para jantar e pernoitar. A camioneta ficou estacionada junto à Praça de Touros onde praças da Guarda Nacional Republicana ficaram de vigilância durante a noite.

Eliezer Mendonça e o camião que transportou o avião até à base da Ota

 

 

Eliezer Mendonça e o camião que transportou o avião até à base da Ota
(Foto cedida pela família de Eliezer Mendonça)

No dia seguinte partiram em direcção a Cacilhas. A instabilidade da carga dificultava a condução e obrigava a algumas paragens para constantes avaliações.

A entrada da camioneta no “cacilheiro” foi difícil e demorada, além de despertar o espanto e curiosidade de passageiros e marinheiros. O desembarque em Lisboa também se revestiu de alguma dificuldade, em particular, a passagem sobre o pontão.

Embora em marcha lenta, a viagem decorreu sem problemas até próximo da localidade do Carregado, onde um zeloso agente da Polícia de Viação e Trânsito (PVT) mandou parar o veículo. 

Começou por medir, a passos, a parte do avião que excedia o comprimento da camioneta, depois pediu os documentos a Eliezer e perguntou se possuía licença da Direcção-Geral de Transportes Terrestres para cargas superiores a dez metros. Eliezer respondeu negativamente e argumentou que o transporte tinha sido requisitado pela «tropa».

O agente não deu qualquer importância ao facto e afirmou que teria de lhe aplicar uma multa e reter a camioneta. O alferes Maya, que assistia ao diálogo, tentou intervir, mas o agente replicou que só tratava do assunto com o condutor. O alferes, sentindo-se desautorizado, elevou a voz e recordou a sua condição de militar hierarquicamente superior. Disse ao agente que não havia lugar a qualquer multa, nem à retenção da camioneta, chamando a si toda a responsabilidade pela operação. Mandou o agente anotar a matrícula e comunicar o facto ao seu comando. Pela sua parte faria também, quando se apresentasse na Base, um relatório detalhado do ocorrido.

Depois de uma curta discussão ficou decidido ir ao posto da PVT, no Carregado, para resolver a questão. O comandante do posto – um sargento – depois de ouvir as explicações do agente decidiu manter não só a multa como a retenção do veículo. O alferes Maya impôs a sua autoridade, exigiu a devolução dos documentos e mandou o sargento fazer a participação.

Contrariado, o sargento devolveu os documentos a Eliezer, não deixando de o ameaçar com a multa, se voltasse a passar por ali, naquelas condições. Eliezer respondeu, com ironia, que tinha mais “uma dúzia de aviões para transportar, mas que não voltaria a passar pelo Carregado”.

A camioneta seguiu para a Base da Ota, onde entrou ao fim da tarde do dia 12 de Junho. 

José Augusto Rodrigues




Fontes:

“Aviões da Cruz de Cristo” – Mário Canongia Lopes  §  Arquivo da Associação de Defesa do Património de Aljezur  §  Report of Aircraft Accident - AFHRA  §   Martin Gleeson  §  "A Batalha de Aljezur" - José Augusto Rodrigues