O avião transformou-se num polo de atracção para a população das ilhas e dos arredores
(Fotos cedidas por Alm. Luis Roque Martins)
Data
Local
Força
Avião
Origem-Destino
Tripulação
17-07-1941
Cabo de Santa Maria - Faro
RAF OADU
Bristol Blenheim IV Z7366
Portreath (GB) → Gibraltar → Malta
F/Sgt. G.K. Williams NZ
Sgt. R.E. Griffin GB
Sgt. N. Kay GB
Com outros três aviões do mesmo esquadrão o avião saiu da base de Portreath pelas 12.20 horas do dia 17 de julho de 1941, com destino a Luqa, em Malta.
Foi forçado a aterrar de emergência depois de não conseguir transferir combustível dos depósitos secundários para o principal. O suporte da bomba auxiliar partiu-se e impossibilitou a operação. A aterragem ocorreu perto do Cabo de Santa Maria, numa das ilhas na Ria Formosa.
A tripulação foi repatriada a 31 de julho de 1941 no navio Briarwood que saiu do Tejo com destino a Gibraltar. A 16 de agosto os três homens chegavam à base da esquadrilha 105 em Swanton Morley.
Dois sacos de correio, que vinham a bordo, e tinham Malta por destino foram entregues em setembro à Embaixada Britânica em Lisboa.
O Blenheim por outro lado começava um estranho périplo que se prolongaria por quase um ano.
Logo no dia 18 de julho aterrava na ilha de Santa Maria, num biplano Tiger Moth da Aeronáutica Militar portuguesa, o capitão Carlos da Costa Macedo para realizar uma inspecção ao aparelho que apresentava alguns problemas. Na fase final da aterragem as rodas enterraram-se e o aparelho empinou-se. “Disso resultou ficar bastante amachucado o nariz da fuselagem e as duas hélices empenadas, ligeiramente a do motor direito e mais pronunciadamente uma pá da do motor esquerdo”, explicou o oficial no seu relatório.
Apesar destes estragos o oficial considerava que estava em óptimo estado e que merecia ser recuperado.
Para além de verificar o estado do avião, Costa Macedo também teve por missão estudar as condições em que o avião poderia ser retirado da ilha. Uma das hipóteses passava por fazer descolar o aparelho directamente do areal, mas isso obrigava a reparar as hélices na OGMA, em Alverca, e o piso estava longe de ser ideal para fazer levantar um aparelho com seis toneladas.
Das diversas hipóteses optou-se utilizar o navio hidrográfico Almirante Shultz, com um pau de carga capaz de levantar 15 toneladas, para o levar directamente para Lisboa atravessado sobre a popa.
Em setembro elementos das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico chegaram ao local para o desmontar. A operação estendeu-se por cerca de um mês e tudo o que era transportável - incluíndo os motores - seguiu de comboio para Alverca.
No princípio de outubro a fuselagem ainda se encontrava na praia guardada por elementos da Guarda Fiscal que ali ficavam 12 a 24 horas de serviço, pois o posto mais próximo estava a mais de quatro quilómetros de distância. O comando local queixava-se, aliás, não só do aumento de despesas como da falta de pessoal, pedindo que se dispensasse a força da vigilância ao aparelho.
A meio do mês, e sobre grossas traves de madeira, a parte central do Blenheim foi transportada até à ponte da Junta autónoma dos portos do sotavento onde ficou a aguardar a chegada do Almirante Shultz que estava terminar um serviço de balizagem na zona e que estaria concluído no espaço de duas a três semanas.
Por esta altura os britânicos ofereceram o avião pedindo “apenas que fossem tomadas disposições no sentido de ser destruído caso as forças inimigas ocupassem Portugal”.
A 5 de novembro o Comando Geral da Aeronáutica Militar insistia para que o Ministério da Marinha efectuasse o transporte o mais rapidamente possível “afim de evitar que a ação do tempo por demora exagerada possa trazer prejuízos ao material”.
Vista do Blenheim no cais
(Foto cedida por Rosa Neves)
Frente do Blenheim com sinais do acidente
(Foto cedida por Rosa Neves)
Numa nota de resposta assinada pelo Capitão de mar e guerra Américo Tomaz - futuro Presidente da República e então chefe de gabinete do Ministro da Marinha Ortins de Betencourt- explica-se que “a fuselagem só pode ser transporta atravessada sobre borda; esta tem apenas 2 metros de altura sobre o mar e o avião deve exceder esta 2 metros a 2,5 para cada bordo, ficando esta extensão fora do navio e sujeita a, com o balanço, tocar a água o que significaria imediata inutilização do aparelho, total ou parcial”. Tendo em conta que estavam em finais de novembro não podiam assumir responsabilidade pelo sucesso do transporte e sugeriam ou op embarque num batelão que fosse rebocado para Lisboa ou o armazenamento do avião num dos hangares da Culatra até que o estado do tempo permitisse realizar a operação.
Em dezembro as OGMA enviaram de novo para a ilha “pessoal competente para tratar da remoção da fuselagem do avião (…) por via férrea”. A fuselagem foi separada em mais componentes para facilitar o transporte, mas já depois desse trabalho realizado percebeu-se que sem um guindaste ou forma de construir um no local seria impossível mexê-lo. Voltou-se assim à solução do transporte pelo Almirante Shultz que agora, pelo facto dos volumes serem menores, se tornaria mais fácil.
Nos meses seguintes continuou-e a trocar correspondência com vista a acertar o transporte. Já em julho de 1942 um novo relatório elaborado por um oficial de aeronáutica referia que o “material se encontra dela maneira geral coberto de ferrugem”. Esclarece-se também que o Almirante Shultz “ainda se encontra em reparação, o que nos leva a concluir que não poderá transportar o material nos tempos mais chegados”. Neste quadro sugere o transporte imediato e pelos meios possíveis, o que terá acontecido rapidamente pois a 15 de julho é dada a informação de que o “Blenheim já se encontra nas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico em Alverca.
O aparelho foi recuperado e integrado na Aeronáutica Militar com a matrícula AM 262. Ficaria destruído durante uma aterragem forçada nas margens do Rio Tejo em 12-08-1944.
Memórias de um avião
Como noutros pontos do país o avião transformou-se numa atracção para toda a população das redondezas e o facto e ter ficado sobre o cais durante todos aqueles meses acentuou ainda mais a característica de pólo “turístico”. Afinal era uma forma de ver a guerra mais de perto.
A foto que está no topo deste artigo foi tirada durante uma dessas visitas de grupo. Sobre a asa e de chapéu encontra-se o agora Almirante Luís Roque Martins, que foi também quem nos cedeu gentilmente a imagem.
O grupo tinha atravessado a ria numa embarcação do avô, que era o armador farense, José Roque, e que foi também responsável por organizar a excursão onde para além de outros familiares de Luis Roque Martins, como pai - Aníbal -, se pode também identificar o médico Arnaldo Vilhena, um clínico bastante prestigiado na época.
Rosa Neves, que vive numa zona da ilha chamada Hangares, também se interessou pelos aviões que caíram naquela zona e em 2017 conversou com Jaime Inácio Brito, um professor reformado nascido em 1929, com uma memória muito lúcida sobre o caso do Blenheim e de outros.
Carlos Guerreiro
Fontes:
"Royal Air Forces Bomber Losses in the Middle East and Mediterranean" - David Gunby & Pelham Temple § Evade & Escape Report - National Archives/ London Kew § "Battle-Axe Blenheim's" – Stuart R. Scott (information sent by D.Smith. §. Alm. Luis Roque Martins § Rosa Neves