Os militares portugueses do "Hong Kong Volunteer Defence Corps", após presenciarem os horrores do ataque de um inimigo formidável, viram-se numa outra situacão para a qual não estavam preparados nem fisíca nem mentalmente.

Com a derrota na batalha de Hong Kong e sua seguinte captura, os voluntários lusos foram internados inicialmente no campo japonês de Sham Shui Po, Hong Kong.

Afastados das suas famílias e do mundo exterior por diversos anos, a comida era escassa, doenças e dificuldades eram muitas. Mas existia também um outro "inimigo", que atormentava os portugueses e os restantes prisioneiros aliados, a quebra de moral e o aborrecimento.

Sem absolutamente nada para fazer, com que se entreterem, muitos viram-se obrigados a improvisar, inventarem desafios, algo que os ajudasse a passar o tempo. Criaram-se hortas, jardins, limpezas, mas a criatividade lusa foi mais além.....

A brilhante criatividade de Marciano Francisco Baptista "Naneli", Ferdinando Maria Castro "Sonny Castro", António Eduardo Noronha e muitos outros, permitiu que a vida dos prisioneiros melhorasse significativamente, ao criarem actividades e diversos espectáculos de teatro, dança ou jantares, tudo em nome da moral.

O talento gráfico e génio criativo, em particular de Marciano Baptista, que "rabiscou", criando inúmeros cartazes, folhetos e panfletos para os espectáculos e jantares realizados no campo de prisioneiros. Odetalhe e a qualidade visual das produções de "Naneli" era de tal modo pensado, que em muitos dos exemplos por si criados, pode-se observar nomes de artistas, instrumentos musicais e até mesmo o local do desempenho (exemplo em baixo).

O talento e criatividade dos portugueses eram de tal forma reconhecidos por todo o campo e não apenas pelos prisioneiros, também por guardas japoneses, que frequentemente e muitas das vezes secretamente forneciam o material necessário, tintas e aguarelas, para que "Naneli" e outros pudessem continuar o seu vital trabalho.

No caso de Ferdinando "Sonny" Castro, a sua capacidade extraordinária para a representação e improvisação teatral levou-o a criar uma personagem feminina apelidada de "Carmelita", "Carmen Miranda" ou "Sonya". Criador dos seus próprios vestidos, utilizando o escasso material disponível no campo, como cortinados ou mantas, conseguiu, durante os anos de internamento, vestir-se para alegrar os prisioneiros e doentes aliados do hospital de Sham Shui Po, através de visitas, espectáculos teatrais, dança ou outros eventos.

Por cerca de três anos e meio que estes militares aliados permaneceriam detidos sob a "garra" japonesa, com enormes privações e dificuldades.... mas poucas dúvidas restam que devido à creatividade dos elementos portugueses, a vida de todos neste "inferno" foi um pouco mais fácil...... 

Pode-se mesmo dizer que devido a este "boost" de moral permitiu que muitos prisioneiro tivessem algo mais a que se agarrar, que os fizessem sobreviver e resistir um dia de cada vez, dia a pós dia, até ao momento em que finalmente fossem libertados. 

 Hoje, a muito diferente Hong Kong, pouco apresenta da batalha mas as memórias perduram, nas mentes de famílias e descendentes, familiares esses que nos doaram e transmitiram todos estes detalhes que hoje tive a honra de partilhar.

António Fragoeiro